Coluna de Ciências

Parece que o estranho vem da África!

Entre 1980 e 90, Reagan, Thatcher e João Paulo 2º acertaram as bases da globalização. Parafusos, medidas, material, processos, ferramentas e, se possível, língua, salários e comida, tinham quer ser iguais para que empresas pudessem ter seus funcionários aqui e acolá como um único parque industrial.

Os carros fabricados aqui deveriam ser os mesmos que os fabricados no México, Inglaterra e Canadá. Globalizar era uniformizar e igualar. Tentativas de comunizar todos sabem no que deu na União Soviética. Não faz parte da espécie humana a uniformidade, mas sim a diversidade. Todas as tentativas de comunizar o homem como aldeia global, cedo ou tarde, independente da ideologia ou interesse econômico, deu com burros n’água. Uma tentativa foi a Torre de Babel.

Na ciência política à época, discorria-se sobre o que aconteceria com a África fora do contexto mundial pelo seu aspecto tribal e pouco desenvolvimento. Me pareceu razoável pensar que, assim o continente africano poderia estar protegido das ideologias, religiões e doenças que seriam globalizadas.

A globalização não envolve apenas produtos, mas pessoas, doenças, costumes, regras, deuses, comida e relações pessoais. Navios, aviões, carros e caminhões fazem um vai para lá e para cá incrível! Amostras científicas, pesquisadores, reagentes, plantas, animais e pessoas com secreções circularam pelo mundo. A África ficou à margem do processo. São muitos rios, lagos, desertos e vegetações diferentes. Alguns animais são exclusivos do continente com costumes e religiões misturando o humano com o animal. Rituais e formas de viver são diferentes. Não se globalizaram.

Nos últimos anos, interesses econômicos passaram a mirar na África como último reduto a ser explorado antes de Marte. Para isto se induz guerras tribais, políticas e religiosas para assumirem o comando africano. Parecem que só sabem administrar dividindo, não conseguem compartilhar o lucro.

Guerras e disputas criam massacres, homicídios, carnificinas, levas de imigrantes, deslocamentos humanos, intervenção militar e ação de organizações internacionais e não governamentais. Na exploração de petróleo na Nigéria e de outros interesses minerais e vegetais, as pessoas que saem ou voltam da África trazem bactérias, vírus, parasitas e outras doenças de lá para o resto do mundo.

Estamos vivemos a época da globalização da África, de seus habitantes, riquezas e também de suas doenças. A Aids iniciou-se no Zaire, hoje República do Congo, em que haitianos que assistiam seus governos independentes levaram o HIV para a ilha do caribe e dali, os americanos em férias o levaram para Califórnia e Nova York, disseminando o vírus para o mundo.

Muitos outros vírus disseminaram em ocidentais, o de maior alarde foi o vírus que as margens do rio Ebola assustou o mundo, a ponto de se criar uma vacina eficiente em um ano. Os interesses econômicos foram suplantados pelo medo de uma disseminação mundial. Depois se viu que o vírus não era tão contagiante!

Agora o Zika vírus assusta e perguntam: onde tudo começou? Quando se diz na nigeriana Floresta Zika na África, todos afirmam: tinha que ser, tudo estranho vem da África. Não é justo e nem verdadeiro. Estamos levando para os africanos coisas muito estranhas de nosso dia a dia e também nossas doenças com seus vírus, bactérias, parasitas, fungos e outros. Mas eles não tem a mídia que temos! O Zika vírus foi trazido pelos chilenos na Copa em 2014, depois de passar pela Ásia e Oceania.

A África está, agora, sofrendo a globalização que passamos décadas atrás. Ela não estava ficando para trás ao não se inserir no contexto da globalização, ela estava ao mesmo tempo se protegendo dos males que o processo poderia provocar. Mas, foi inevitável segurar a onda, o dinheiro fala alto e os africanos acabaram sendo envolvidos tardiamente. Em compensação pagamos o preço e temos também, agora, as suas doenças e mazelas!

Quando temos as doenças africanas achamos muito estranho, mas tão estranho quanto eles acham quando contraem as doenças que levamos com nossos produtos e pessoas até eles!

É uma via de mão dupla: reflitamos!


(Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC)