Coluna de Ciências

Estamos na ‘modernidade líquida’!

Nesta era de “modernidade líquida” o futuro não existe, normal é ser
instável e imprevisível. O que sabemos hoje, amanhã não mais servirá. O
conhecimento e os mecanismos evoluem rapidamente e as gráficas nem
conseguem imprimir e nos remeter fisicamente à informação. Tudo é virtual.
Exemplo: editoras e jornais repetem prejuízos em todos países!

Nada está sob controle de nada e ninguém. A realidade deixou de ser sólida
e passível de pressões. A realidade agora é fluídica, como retratou o aclamado
sociólogo Zygmunt Bauman ao criar o conceito de “modernidade líquida”. Se não
compreender isto, a sensação de frustração tomará conta de seu coração. O meu
passado planejado virou história, planos só para amanhã, e amanhã cedo! A tarde
não garanto nada.

Na “modernidade líquida” o coletivo predomina sobre o individual, sem
ideologias e sistemas! Quase de forma caótica e aleatória, o coletivo sobrepõe e
quase nada se faz por completo sozinho, tudo tem partes de cada a um a se
encaixar e sobrepor. Ninguém acaba sendo dono de nada, tudo é de todos! De
preferência gratuito ou barato, acessível sempre!

Hoje, repare, ninguém quer liderar, ser dono, ocupar a vanguarda, puxar a
fila ou se identificar como responsável. Aos olhos dos antigos, sem liderança:
para onde vamos? Que importa, o “vamos” é futuro e na modernidade líquida o
futuro não importa!

Na “modernidade líquida” não se preocupe em ter ou obter informações,
dados e razoes! Tudo está disponível em qualquer lugar, a um toque de tela, sem
tensões. São textos e imagens maravilhosos o tempo todo acessível, não preciso
preocupar-me em guardar e memorizar. Antigamente se dizia: poderei precisar
depois e não ter. Calma, você terá, estará sempre a seu dispor!

As pessoas tinham bibliotecas em suas salas e casas. Médicos e advogados
tinham aquelas enormes coleções de livros que impressionavam o visitante. Hoje
este tipo de coisa cheira mofo, antiguidade, ácaros e ultrapassado! Para que isto,
ninguém mais folheia livros e revistas em estantes. Todos digitam o assunto
desejado e tudo aparece na tela: só clicar e o que se quer, aparece na hora!
Navegamos em marés de informação. Professores, educadores ou pais não
conseguem mais delimitar, cercar, selecionar e conduzir alunos e filhos neste
mar de conhecimento sem limites. Professores e pais não são mais os guardiões
ou guias do saber em templos que existiam e sucumbiram. Bibliotecas não são
mais centros do conhecimento, ele está na rua, casa, shoppings e smartphone.
Conhecimento humano está diluído entre todos de forma líquida. Você o tem
quando achar conveniente ou oportuno!

Útil e inútil se misturam e mudanças estão ao sabor da aceitação ou
rejeição. Mudanças são frequentes: a inconstância e instabilidade representam o
normal. O conhecimento novo chega primeiro nos sites e blogs do que nas
universidades, bibliotecas e salas de aula. Alunos e filhos acessam o
conhecimento novo mais cedo que o educador.

A modernidade líquida subverteu a figura do professor ou pai presente. A
autoridade do professor está associada mais às suas características e virtudes
pessoais do que à capacidade de ter e mostrar conhecimento no ensino! O
professor cada vez mais será valorizado pela pessoa e não pelo profissional que
representa: o coletivo predomina sobre o individual, limites entre pessoal e
profissional se perderam.

A volatilidade extrapola as relações pessoais que viram experiências
sucessivas. Casamentos, amizades e família transformaram-se, na modernidade
líquida ficam voláteis! No trabalho a estabilidade e empregos longos não fazem
parte das novas gerações. Objetos de desejo e sonhos não passam pelo local e
tipo de emprego, o que vale é vida pessoal, felicidade agora.

Perguntado sobre como adequar a educação a esta realidade, Bauman
sugeriu a Paideia: “um sistema de ensino e formação ética da cultura grega que
inclui temas como ginástica, gramática, retórica, música, matemática, geografia,
história natural e filosofia para se formar um cidadão completo capaz de liderar
e ser liderado ao desempenhar um papel positivo na sociedade”.

Vivamos hoje, o amanhã não nos pertence, literalmente!

(Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC)