Coluna de Ciências

Zikavírus causa fissuras labiais?

Na sexta feira, dia 21 de outubro, foram apresentados pela primeira vez à
comunidade científica nacional e internacional três casos de bebês fissurados e filhos
de mães com diagnóstico de zika e microcefalia, sem que apresentassem qualquer
história familiar de fissuras labiais, palatinas ou faciais. São duas meninas e um
menino nascidos no Maranhão e atendidos no Hospital Infantil Dr. Juventus Mattos
em São Luís com fissuras labiais e palatinas.

O apresentação ocorreu no 13 o Congresso Paulista de Cirurgia Bucomaxilofacial
no Centro Tecnológico de Sorocaba por pesquisadores e clínicos da Secretária do
Estado do Maranhão e da Faculdade de Odontologia de Bauru da USP. A explanação
oral da pós-graduanda Géssyca M.M.F. Guimarães surpreendeu os numerosos
presentes na plateia da sala Mario Gabrielli, em especial a banca de questionadores e
examinadores.

Durante a explanação, os pesquisadores expuseram a hipótese de que a
afinidade do Zikavirus com células do sistema neural e uma vez no seu interior, pode
dificultar ou modificar os seus mecanismos de proliferação e migração nos tecidos
faciais. As células neurais primitivas são essenciais para a formação da face,
incluindo-se os lábios e palato. Entre estas células neurais, estariam as derivadas da
crista neural.

COMO ASSIM?
Quando o óvulo é fecundado pelo espermatozoide, esta primeira célula prolifera
intensamente e depois de alguns dias se tem duas populações ou clones celulares. Ao
redor do 13º ao 21º dia, o embrião tem uma terceira população ou clone celular. Neste
momento, o embrião tem a forma de um botão pequeno de camisa ou de um
comprimido de aspirina com três camadas: o ectoderma em cima, no meio o
mesoderma e em baixo o endoderma. A mulher nem imagina que está grávida!

Ainda no primeiro mês de gestação, aparece uma depressão em forma de sulco
no meio do comprimido para dar origem ao sistema nervoso central. Na crista ou
beirada deste sulco no ectoderma, as células são as mais especiais possíveis e migram
para o centro da camada média ou mesoderma para dar origem às mais especiais
estruturas. Destas células da crista neural se formam nervos periféricos, órgãos dos
sentidos, olho, dente, melanócitos e muitas outras partes sensíveis e especiais. A
mulher ainda nem imagina que está grávida!

LÁBIOS E PLACENTA
Lábios e palato se formam entre a 6ª a 8ª semana de vida intrauterina. A mãe
nem imagina que está grávida. Por afetar células neurais primitivas e induzir
microcefalia, o zikavírus pode afetar outras partes do corpo, em especial a cabeça, que
também podem ser anômalas em bebês de mães grávidas que adquiriram a doença. A
placenta intermedia a circulação e o metabolismo entre mãe e embrião ou feto e pode
ser comparada a um filtro para certas substâncias e microrganismos, mas ela só
amadurece e adquire capacidade filtradora completa apenas depois do terceiro mês de
gravidez.

A placenta não consegue segurar a infiltração de vírus no primeiro trimestre de
gravidez e mães com rubéola na gravidez podem gerar filhos com severas anomalias.
Se os vírus contatar a mulher grávidadepois do terceiro mês, o risco não existirá
mais. Na rubéola, o risco de anomalias será de 30 a 50% em contágio no primeiro
mês, 25% no segundo, e 8% no terceiro mês de gravidez.

A face e sistema nervoso se formam primariamente nos dois primeiros meses,
justamente, quando a mãe não sabe ainda que está grávida e não toma medidas
preventivas ao ingerir medicamentos, bebidas, cigarros e drogas, nem evita contágios
com pessoas contaminadas por certas doenças.
Sem gravidez planejada, a mulher viaja para lugares contaminados e com
mosquitos vetores de doenças como dengue e zika. Sem gravidez planejada, a mulher
pode expor o embrião à ação de vários fatores ambientais que induzem anomalias e
doenças.

Nos bebês fissurados com microcefalia e filhos de mães com diagnóstico de
zika apresentados no congresso, não havia histórico de hereditariedade na família
como na maioria dos casos de fissuras labiais e ou palatinas. Isto reforçou a suspeita
dos pesquisadores que estas fissuras labiais e palatais estivessem relacionados com a
ação do zikavírus. Agora, novos estudos devem explicar melhor esta relação!

(Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC)