Coluna de Ciências

Estão assassinando o Aristóteles!

A liberdade de pensar e criar eleva a alma. Aristóteles afirmou que nada temos
no intelecto ou cérebro que não tenha passado antes pelos órgãos dos sentidos. Tudo
passa pelo olhar, cheiro, tato, ouvir e ver. Para aprender temos que usar os órgãos dos
sentidos inevitavelmente.

Se o ser humano quer ser mais criativo e inovador deve estimular e treinar a
sensibilidade ou os órgãos dos sentidos com as artes. Isto inclui pinturas, cinemas,
museus, livros, poesias, esculturas e muitas outras manifestações culturais. Da mesma
forma, se queremos ser criativos e inovadores nosso corpo deve obedecer nossos
desejos e impulsos.

É preciso aceitar: criatividade, abstração, reflexão e senso estético podem ser
desenvolvidos, estimulados e evoluir-se na sensibilidade. Em muitas aulas e
conferências pergunto: qual foi o último livro lido? Qual a última visita em museu? E
exposição fotográfica? Qual foi o último teatro? Qual a última poesia que leu? E
vaticino: … se fizer mais que seis meses, cuidado, você pode estar virando pedra.
Pedra no sentido figurativo: dura, insensível, não maleável e pronta a rachar! Pessoas
assim não têm como ser criativos, ousados, inovadores e empreendedores.
Em sociedades capitalistas o que importa é ter, produzir, acumular, é lucro a
qualquer custo. Nelas o ser humano é número, uma unidade produtora de lucro. Neste
contexto, o indivíduo que pensa, analisa, questiona e reflete atrapalha a linha de
produção que perde velocidade e quantidade. Repita suas manobras e execute seu
trabalho sem perturbar, inquirir ou querer mudar e melhorar.

Capitalismo é forma de organização econômica de um povo, assim como o
socialismo. Existem estas duas formas de economia em plenas democracias, como
também tem em ditaduras (USA e China). Para o mercado, homem é a unidade
produtora e fim! No socialismo, o estado e a economia priorizam o bem estar do
homem (Suécia, Noruega e França).

REFORMA!

Discussão sobre retirar ou não o ensino das artes e educação física, para um
mercantilista, é frescura. Tenho a impressão que querem matar Aristóteles, ou melhor,
o seu pensamento em nós. Aos que querem deixar seu corpo mais eficiente e sua vida
mais duradoura para usufruir os últimos anos de forma mais alegre e interativa,
aprenda a priorizar, em alguns momentos dos dias, as atividades físicas. Se deve
educar o corpo e a mente a fazer exercícios. Artes é academia para a mente, e
educação física, para o corpo!

No subconsciente e no consciente coletivo se começou a considerar que as
pessoas estão vivendo muito tempo. Isto está atrapalhando a passagem de papéis entre
as gerações e o sistema capitalista está pagando muito pelas aposentadorias, pensões e
saúde das pessoas mais velhas. Uma das formas de deixar as pessoas mais autômatos
e mais produtivas em menor tempo de vida, pode ser a eliminação das artes e da
educação física. Lembrando o filme Tempos Modernos de Chaplin: o homem, para o
capitalista radical, serve para apertar parafusos.

Que nada atrapalhe o apertador de parafusos. Que ele não tenha reflexões,
necessidades intelectuais, “insights” artísticos e elucubrações. Que ao chegar em casa,
durma, apenas isto, para que amanha volte à carga, sem dar trabalho aos chefes e
donos da fábrica. Que ele não questione os juros dos bancos, a atitudes dos
governantes! Que não me venha exigir tempo para exercícios fora ou dentro do
trabalho.

AUTÔMATOS

As escolas e as universidades devem ser bitolantes para o capitalista, que nelas
todos aprendam servir ao mercado. Devemos seguir a China: um exemplo de
operariado e patronato. Muito lucro, poucos direitos sociais e trabalhistas e que o PIB
cresça, isto que interessa. Precisamos acumular dinheiro e poder. Que história mais
maluca é esta: ensinar crianças a ter momentos lúdicos, reflexões estéticas e artísticas
ao deixar fluir os órgãos dos sentidos. O mercado não quer questionadores, quer
autômatos!

Depois ainda dizem nos programas de entrevistas: o brasileiro não é inovador,
empreendedor e não tem a vocação para o mundo capitalista! Claro, desde cedo seu
poder de criação e invenção é cortado. E agora nem teremos mais Artes e Educação
Física. Estão querendo matar de uma vez o Aristóteles dentro de nós!

(Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC)