Coluna de Ciências

Inevitável: terás que ser humilde!

Escrever é perambular pelos meandros da mente, é visitar os cantos do vernáculo, é descobrir verbos e seus namoros com os substantivos, é deparar-se com as frases se oferecendo para você usar! Quando me dei conta, escrevi sobre as ondas gravitacionais, mas na verdade queria discorrer sobre o tempoque não para, como disse um poeta em canção popular.

O tempo apesar de abstrato,concreta nossas vidas com suas consequências. Com concreto se faz coisas lindas ou feias a permanecer. O tempo não fica, o tempo passa e, consumido ou não, tem que pagar no caixa! Talvez por isto Guimarães Rosa tenha dito que “aprender a viver é que é o viver mesmo”. No mundo de Guimarães Rosa, o silêncio do sertão pôde ser resumido nesta passagem em Grande Sertão: Veredas: - O senhor sabe o que o silêncio é? – É a gente mesmo!

Se você conseguir não fazer nada, deixando e olhando o tempo passar sem se desesperar, sem achar que está perdendo tempo e sem se angustiar, é por que você está aceitando a vida, percebendo o sentido dela e pode se considerar pronto para ser feliz sozinhoou com outras pessoas! Se pudesse, se tivesse o segredo, nesta hora queria ser a essência do perfume a pegar carona na brisa do tempo que passa e me deixar levar na cauda deste cometa professor! Sem nada a me prender, gostaria do vagar ao léu e confiar que chegaria a um bom lugar. Sinto que por aqui, os lugares onde o vento está me levando parecem curvas repetidas e becos sem saídas que eu já vivi.

A arte de ver o tempo passar, sem a angústia da pressa, é quase reconhecer que as atividades humanas não te levam a lugar nenhum. Devemos reconhecer isto para viver melhor! Dos 50 anos para frente, aos 60 ou 70 talvez, sua memória falhará! O que você era ou fez se esvai, cai no vazio! Esquecerá dos seus amigos, filhos e amores, nem os reconhecerá, muitos menos dos prazeres que te deram. Ah, o seu trabalho… que trabalho? se nem seu nome mal lembrarás! Se isto não está acontecendo com você: és um felizardo, premiado e agradeça aos céus e léus! Não se esqueça disto, mas que bobagem, daqui a pouco nem lembranças terás, é claro que se esquecerá! Creeedo, dirá alguém!

O tempo me leva ao “O Muro” de Pink Floyd que impacta ao mostrar que o sistema montado para vivermos acaba virando máquina de moer gente! O filho quer que o pai não o atrapalhe, o subordinado que o chefe saia do lugar, o mais novo que o velho se aposente! Na família se conta muitas vezes o vil metal a ser herdado, mas muitos esquecem de morrer, pois ficaram sem memória! Os mais novos movimentam a manivela da máquina de moer carne, até que de repente cai dentro da mesma e se desintegra nas navalhas da roldana infalível e movida pelos sucessores!

Sim: poetas, escritores, músicos e cineastas, todos refletem sobre o tempo e sua passagem, mas as coisas mudaram! Antes as reflexões eram a passagem da vida para a morte. Agora não, criou-se um estágio intermediário entre a vida e morte: é o período de anos em que antes de morrer, vive-se sem memória e/ou poder. O tempo é etéreo e existe; o concreto se pega, mas não se leva, logo não existe!

O mal de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas parece que vieram para ensinar: - você foi poderoso, agora não é mais tanto assim ou quase nada! Esta parte parece que nos era dita depois da morte, agora não, está sendo dita, para muitos, em vida: você terá que ver tudo ser decidido pelos outros: onde morarás, que remédio ou médico te cuidará, o que comerás, enfim serás humilde ou humilhado, dependendo de como encararás este tipo de final de vida que se acaba por predominar entre nós!

Devemos refletir: o que me acontecerá quando perder a força física? Eu ainda terei a força mental da memória? Se não, como me comportarei nos lapsos de lembranças que ainda terei! Sim! … mudamos o parâmetro dos períodos que antecedem a morte, não morremos mais enquanto temos vida plena interrompendo-a subitamente, agora morremos depois de agoniarmos pela exaustão de nossas forças pelo câncer ou pelas doenças neurodegenerativas!

Jovens e adultos: aproveitem, aprendam agora, pois depois o bicho vai pegar! Olhe para o velho e diga para si mesmo: - você, sou eu amanhã! E é mesmo‼Cuide do corpo, da mente e da alma: o que fica com você é o etéreo, não é o concreto!