Coluna de Ciências

Para quem você doa o seu tempo?

A vida não é um piscar de olhos, alto lá! Muito menos passa tão rápido assim. Não tem essa de viver como se não houvesse amanhã; haverá sim! Cuidado: mudar completamente a vida depois de um câncer ou infarto é reconhecer que tudo estava de cabeça para baixo. Se tudo estiver ruim, vire o caminhão de mexerica apesar do cheiro no ar ficar forte!

O sonho era ser professor e cientista, mas nem imaginava que chegaria lá tão cedo e refiz os planos várias vezes. Gosto de induzir reflexões em quem me ouve como a dizer: pense comigo, veja esta linha de pensamento e a sua conexão com o saber estará completada, agora é com você! Não me importa o assunto e nem a plateia: quero induzir reflexões, gerar mudanças internas, sem demagogia, amor pequeno, pegação no pé e messianismo. Quero me entregar e sempre foi assim, mesmo quando sem qualquer doença ter indicado um fim breve!

Chegar à beira do abismo pode lhe fazer pensar: acabou! Completei meu ciclo. Para quem ficarão meus livros. E meus arquivos do computador? Quem atualizaria meus livros ou ficarão no fundo de uma estante velha esperando um dono de sebo para o resgate! E os documentos: quem irá rasgá-los primeiro!

É lindo o papel dos sebos, pena que tendem a diminuir. O cara ficou a vida inteira lendo, guardando livros e discos, com todo cuidado e de repente: morreu! Uma das primeiras providências da família: desfazer dos livros e discos! Alguém diz: conheço o dono de um sebo, talvez se interesse! E lá se vão mil reflexões de cada página daqueles escritos e músicas especiais. Qual seria outra alternativa? Não sei! No sebo, há uma reciclagem de toda esta energia. Sebos têm energia, como se lá estivessem o pensamento e reflexões de muitos que já se foram.

E as quinquilharias? Irão direto para o lixo! Aquela mulher sem cabeça de resina azul, o abajur de guitarras e a maça de pano, talvez salvem os porta-incensos e vasos de flores, mas aquele casal de passarinhos de cerâmica ninguém vai querer. E as fotografias, quem deletará primeiro! Algumas se salvarão como um dos antepassados da família. Camisas e calças serão doadas para alguém que nem conheço, cuecas irão para o lixo e as blusas aquecerão alguém.

O TEMPO !

Uma pergunta inevitável toma conta de quem está na beira do abismo do câncer ou infarto e pode levar a mudar as coisas. O meu tempo a partir de agora: doarei a que ou a quem? O tempo não tem volta, nem preço ou troca. O tempo foi dado e pronto. Teria eu dado meu tempo a quem mereceu? Pouco importa, já foi mesmo! Agora o tempo será mais conscientemente dado, com mais critérios. O tempo além de valorizado, agora é espécie em extinção. Algumas pessoas são muito chatas, reclamam de tudo, são amargas e briguentas, nada está bom! Devo dar meu tempo a elas ou seria perda de tempo? Darei meu tempo aos implicantes, exigentes e donos de verdades absolutas e visões restritas do mundo?

Dedico a maior parte do tempo a ensinar, ler, escrever, pesquisar e refletir. Quando ensino e escrevo é um repassar de meu tempo, do produto do meu tempo, para as pessoas! Ensinar e escrever é doar o que sabe e aprendeu no seu tempo, é doar o seu tempo aos outros indistintamente. O tempo é o mais sublime do que tens.

Talvez doar tempo a reuniões seja muito estranho, como no condomínio, trabalho, clubes, bares e igrejas. Reunião é, quase sempre, perda de tempo e quanto tempo já perdi nestas fogueiras de vaidades, orgulhos e falsidades. Reuniões parecem ser necessárias, mas como exercícios de tolerância e paciência no caminho. Depois de passar pelo abismo fica tão difícil participar de reuniões!

Ditadores de plantão estarão sempre a nos importunar e querem teu tempo ouvindo suas determinações. Ditadores estão em seu dia a dia: você tem que assistir tal filme, ou é impensável viver sem academia, ou ainda, você deve comer ou não comer isto e aquilo. Eu não quero deixar de ensinar, pesquisar, escrever, ler e conversar com pessoas legais! Só quero deixar de ser cobrado ou receber ordem de disfarçados ditadores.

Reflexão final e dolorosa: você precisa mesmo esperar um abismo como câncer e infarto para repensar tudo isto? O que fazes com o seu tempo? Ele é o palco da arte e ciência de viver!

Reflitemos!