Coluna de Ciências

Dentes, a zika e a dengue: tem a ver?

O avô adorava brincar com os netos e usava sua cultura para impressioná-los. Já grandinhos, o avô divertia falando nomes difíceis como se estive xingando-os de prolegômenos, energúmenos e patognomônicos. Riam muito!

Algumas palavras sempre me impressionaram e uma delas é “exantemática”, talvez pela sonoridade. Nas primeiras leituras lia que “febres exantemáticas em crianças podem provocar hipoplasias no esmalte.” No facebook uma querida amiga perguntou: a zika e a dengue em crianças podem provocar hipoplasias do esmalte nos dentes decíduos ou permanentes? Como são febres exantemáticas podem ter este mesmo efeito como o sarampo e rubéola?

Exantema corresponde a manchas vermelhas esparramadas na pele que podem vir acompanhadas de coceira ou prurido, dor e ardor e as vezes é mencionado como “rash cutâneo”. Muitas doenças apresentam exantemas na pele, entre as quais o sarampo, rubéola, escarlatina e varicela. Para alguns estudiosos exantema seria aplicado apenas às viroses. O exantema acompanhado de febre deu origem ao termo conjunto para estas doenças de “febres exantemáticas”. No exantema pode aparecer outras lesões como pápulas (pequenas elevações) ou pústulas (bolhas e vesículas com pus). Sim! Qualquer uma das febres exantemáticas pode explicar as hipoplasias do esmalte dentário.

O esmalte dentário é o tecido mais duro do corpo e resiste até aos incêndios e cremações e precisa ser triturados à parte para tê-lo como parte das cinzas. Apesar de extremamente mineralizado, quando é depositado sobre a dentina na coroa é extremamente mole e macio. Sua deposição sobre a dentina em camadas bem finas demora semanas ou meses para finalizar a mineralização. As células que fabricam e depositam o esmalte chamam se ameloblastos.

Os ameloblastos parecem ser as células mais sensíveis do corpo e qualquer alteração metabólica como uma virose ou febre exantemática pode atrapalhar a deposição de esmalte e provocar manchas brancas, amareladas ou até falhas em formas de fissuras e depressões. Estas alterações se chamam “hipoplasia de esmalte adquirida por causa sistêmica” que afeta vários sistemas do organismo.

Nestas crianças o esmalte, se afetado, isto ocorre simetricamente: se afeta de um lado afeta também o mesmo dente do outro lado, pois ambos estariam formando o esmalte ao mesmo tempo. Quando a mulher está grávida, os dentes do feto que estão formando o esmalte são apenas os decíduos. Se a febre exantemática afetar a mãe, pode gerar manchas e depressões apenas no esmalte dos dentes decíduos.

Quando afeta o esmalte de dentes permanentes significa que a “febre exantemática” ou outra doença igualmente grave afetou a criança depois do nascimento, pois apenas depois se forma o esmalte permanente. A única exceção é a ponta mais extrema da cúspide mesiolingual do primeiro molar inferior permanente.

Estas manchas e depressões no esmalte induzidas simetricamente não são tão frequentes, pois acontecem apenas quando as doenças afetam significantemente a saúde da criança. Um parâmetro pode ser a necessidade de ter sido internada, quando a doença foi um pouco mais grave do que a média! Vale ressaltar: antibióticos e outros remédios não provocam nada deste tipo nos dentes, apenas indicam que a doença foi grave, o que levou a estas alterações nos ameloblastos!

Como a zika e a dengue são febres exantemáticas, nos casos mais graves que afetam as crianças e as mães grávidas, podem ocorrer hipoplasias de esmalte sistêmicas e simétricas que variam de manchas mínimas até severo comprometimento da estrutura do esmalte. Isto não me parece ter sido descrito ainda na literatura, mas por comparação com o que ocorre nas outras febres exantemáticas, é possível! E, se ocorrer, a Odontologia têm varias técnicas e possibilidades para corrigir e devolver estética e função aos dentes afetados!

Em tempo, para esclarecer: 1.prolegômenos representa tudo que antecede a primeira página do conteúdo de um livro, incluindo agradecimentos, índices, etc, 2. Energúmeno é um indivíduo exaltado que grita e gesticula excessivamente, 3. Patognomônico é o sinal mais típico e único de uma doença.